segunda-feira, 14 de maio de 2012

Há vagas

**Artigo meu publicado no Jornal do Tocantins (www.jornaldotocantins.com.br)

Disponível. Essa palavra é tão usada hoje. No celular a gente pergunta: “Alô, pode falar? Está disponível?” No chat, MSN ou gtalk um “indisponível” pode frear uma possível conversa.

No mercado, perguntamos se pode pegar o carrinho ou se o caixa está livre. E, assim, na vida: “fulano está disponível”, como se a pessoa fosse uma vaga no estacionamento: basta chegar e colocar o carro. A vaga está “vaga”.

É assim mesmo que temos visto os relacionamentos – ou na falta deles - e nas pessoas: o vazio. Como espaços a serem preenchidos. Outro dia, ouvi um consultor de Recursos Humanos dando dicas práticas para se conseguir um parceiro ou uma parceira, possivelmente, as mesmas instruções que ele dá a uma empresa que quer contratar um funcionário. Segundo ele, o primeiro passo é saber se a empresa realmente precisa daquele serviço. Ai, novamente, a disponibilidade. No caso de um amor, o especialista recomenda a mesma tática, deve-se perguntar a si mesmo: preciso mesmo de um?

Em caso de resposta afirmativa, seguem-se as outras exigências de praxe - currículo, histórico familiar, gostos e por ai vai. Achei bem interessante olhar o amor assim, com certa racionalidade - com divisões e subdivisões do que é para casar, para namorar, para ficar – são vagas mesmo, que vão se estabelecendo e sendo preenchidas conforme a necessidade do cliente.

Não sei se isso é bom ou ruim, apenas é. E todas essas exigências de mercado: altura, peso, bom nível econômico e social, bom humor, leveza de espírito, tipo sanguíneo compatível, parentes, mesma cidade, mesma crença, mesmo signo e uma lista que não tem mais fim, deixam a gente um pouco confusa. O que levar para casa, quando as opções são muitas?

Essas exigências nos fazem pensar duas vezes antes de encarar um relacionamento. É muita renúncia, aceitação, muita coisa a fazer e algumas cobranças - nem sempre estamos prontos. Mesmo assim, continuamos reclamando e querendo.

Pausa para outra visão. Se Regina Navarro, sexóloga, lesse metade do que escrevi, certamente iria me corrigir. Diria algo como disse em “A cama na varanda”: que estamos numa transição, que em as novas gerações vão lidar melhor com isso, já que foram muitas mudanças em pouco tempo. Ambos – masculino e feminino – estão confusos. Os papeis sociais estão em cheque e a exclusividade não é a chave da alegria. Podemos, por exemplo, escolher uma pessoa para cada fase da vida – aproveitando as características positivas de cada parceiro.

É um ponto de vista interessante, de uma especialista respeitada e que estuda os relacionamentos há anos. Mas se é assim, por que há tantas vagas a serem preenchidas? E por que estão todos em busca desse preenchimento?

Ela diria isso é cultural. Pois bem, chegamos ao cerne. É perceptível que o olhar mudou e essa transformação tem mesmo a ver com o mundo atual, rápido, cheio de opções e informações. Mas acontece que pessoas não são mercadorias. Não dá para pôr tudo no mesmo carrinho, apesar de que, na atual conjuntura social, muita coisa pareça ser comprável, diluível e descartável. Os copos de plástico são; assim como os absorventes e as seringas. E é bem saudável e higiênico que sejam assim, mas quanto às pessoas, há controvérsias.

Construir relações duradouras, e não falo apenas de relacionamentos amorosos, é muito mais complicado hoje em dia. A instantaneidade nos trouxe muitos benefícios, mas nos causou uma ansiedade e também certo isolamento. Temos preguiça enorme de sair desse conforto – TV a cabo, controle remoto, computador, sofá, geladeira, alimentos pré-cozidos.

E ainda é na rua que as relações se estabelecem: na feira, no trânsito, no trabalho, na academia, perto das gôndolas do supermercado ou, inclusive, no estacionamento. Até perguntar se vai liberar a vaga já é uma maneira de se dizer: “Oi, olhe para mim, estou disponível”.

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